Minha mãe teve um pesadelo. Prestava concurso
para Defensoria Pública. Sala lotada de candidatos, nervosismo, lápis
penteado.
Ao receber a prova do instrutor, qual sua
surpresa ao perceber que a folha contava apenas com as respostas.
– Cadê as perguntas? – ela se desesperou.
O monitor lamentou, mas não tinha como mudar a
natureza do teste.
– Só vim aplicar a prova, desculpa.
O perturbador sonho materno é de uma simbologia
poderosa. Passamos mais tempo de nossa rotina respondendo respostas do que
atendendo perguntas. Perguntamos com uma resposta e continuamos respondendo. Não
pretendemos mudar nossas opiniões. Não pretendemos nos despedir de nossos
condicionamentos. Não pretendemos remodelar os planos. Somos um bando de
certezas recolhendo exclamações.
O mais complicado é aguardar justamente a
pergunta, não sair falando de qualquer jeito para qualquer alvo. Mas aguentar o
intervalo do dilema, resistir ao silêncio aflitivo da espera, tolerar pensar com
os ouvidos.
Pois quem responde perguntas, conversa. Quem
responde respostas, discursa.
É uma arte aprender a fazer perguntas
necessárias. E ser condizente ao tamanho das questões.
Não ser preguiçoso. Ou excessivo.
Tem gente que recebe uma interrogação pequena e
já cria uma tese.
Tem gente que recebe uma interrogação grande e
usa evasiva.
Respeitar a proporção da pergunta é amar a
curiosidade. É não ser afetado ou pretensioso. É não se vangloriar ou desmerecer
a dúvida.
Ir aos poucos ajuizando. Não responder tudo
para não ter que responder depois, nem nada para cessar a aproximação. Seguir
com a inocência atrevida de uma criança, que provoca o sentido das coisas até
despertar a vontade das coisas.
Se sua mulher questiona:
– Você está feliz?
É uma pergunta pequena, que pede que você
revise seu dia.
A resposta é:
– Sim, estou feliz.
– Não, não estou feliz.
Ambas pedem um motivo. E uma nova pergunta
pequena com olhos nos olhos.
Mas se sua mulher indaga:
– Você me ama?
É uma pergunta grande, que reivindica que você
revise toda a história com ela.
É uma pergunta para lembrar muito.
É uma pergunta para explicar com cenas,
passagens, lugares.
É uma pergunta que não tem sucessora. É uma
pergunta carregada de saudade.
É uma pergunta única, decisiva, maiúscula, com
oceano para atravessar de mãos dadas.
Não é uma pergunta, é uma declaração.
Não seja breve. Valorize a cadência das frases.
Ela é mais rara de acontecer do que imagina. Nem todos têm a chance de
respondê-la.
Esse foi fantástico!
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